Envelhecimento não é maldição

Publicado em por Amandina Morbeck em Cotidiano
Carteira de identidade do seu Antenor - Foto: Reprodução.

Carteira de identidade do seu Antenor – Foto: Reprodução.

(O post Envelhecimento não é maldição foi originalmente publicado em meu antigo blog, Blog da Aman, em 30/04/2008.)

Este ano [2008] publiquei em minha página no portal Extremos o artigo “Idade não precisa rimar com debilidade“. Nele, como o título indica, abordo a questão de que envelhecer não significa se negar a viver. E semana passada, li dois textos que reforçaram essa minha postura diante do envelhecimento: um senhor de 98 anos que se casou em Mato Grosso do Sul e as celebridades que se negam a se submeter a euforia do “forever young”. 

Antenor Maricota e Ana Vilela

A história de Antenor Francisco de Oliveira*, o Antenor Maricota, de 98 anos, me emocionou. Viúvo há 15 anos, ele se casou com a “jovem” Ana Vilela da Silva, de 60 anos, na cidade de Paranaíba. Os dois se conheciam desde o tempo em que moravam em fazendas no interior do Estado. Ele tem oito filhos, ela tem quatro; ele ainda dirige, pesca com os filhos e gosta de fazer palavras-cruzadas. O que me encantou foi a vontade dos dois, mas especialmente dele, por conta de ter quase cem anos, de ainda compartilhar, de se sentir vivo, ativo, com possibilidade de começar uma vida nova. Para Ana, a idade de Antenor não foi empecilho para também iniciar um novo momento em sua vida. Acho isso muito lindo porque numa sociedade que tudo oferece aos jovens, bonitos e saudáveis e condena o que perde o viço da pele lisa e da barriga tanquinho, pessoas assim simplesmente dizem um sonoro não a esses valores. Um brinde aos noivos! E que sejam felizes pelos anos que compartilharão. Que continuem vendo TV juntos, de mãos dadas, se “carinhando” por muitas noites ainda. E que a energia liberada por esse gesto de carinho e de aceitação afete positivamente este mundo ainda tão cheio de pessoas com valores preconceituosos.

Lindas e em paz com as rugas

A outra matéria, Lindas e em paz com as rugas, saiu na revista Época sobre algumas atrizes (Malu Mader, Christiani Tricerri, Denise Fraga e Karin Rodrigues, entre outras) que têm optado por não se submeterem a cirurgias plásticas ou a aplicações de botox. É muito raro de se ver algo assim, principalmente no meio artístico. (E é incrível como essa neura é mais cobrada das mulheres que dos homens. Eles podem ter cabelos brancos, rugas, marcas da idade, mas as mulheres, não.) Atrizes europeias não compram essa ideia, basta ver, por exemplo, aquelas que trabalham em filmes do Almodóvar. Mas nós, no Brasil, somos muito mais influenciadas pelos valores de Barbie, basta ver quantas pintam o cabelo de louro (sem falar naquelas que usam lentes de contato azuis…). Que desperdício de tempo, dinheiro e autoestima.

Mas no caso das atrizes brasileiras, o destaque para mim está no fato de serem referência, cobradas pelos pares ou até pelos maquiadores para esconderem que estão envelhecendo. É como se aceitar a passagem do tempo, reconhecê-la e valorizá-la fosse um absurdo. Envelhecer não é sinônimo de maldição. Achei muito linda a frase de Karin Rodrigues, 72 anos, ex-companheira de Paulo Autran: “Não posso investir numa guerra que poderia perder”. E é verdade. Olhe para mulheres que se submetem a cirurgias plásticas para esconder a idade. Muitas parecem feitas de plástico, não têm mais identidade. Querem viver em um mundo de fantasia, ainda que outros fatores as forcem a se lembrar que não são jovens, por mais que a casca aparente o contrário.

Junko Tabei, a primeira mulher no topo do Everest

Em 2005, entrevistei a primeira mulher a chegar ao pico do monte Everest, a japonesa Junko Tabei (clique aqui para ler a entrevista). Quando chegou ao topo do mundo, em 1975, ela tinha 36 anos. Quando a entrevistei ela estava com 71, seguindo em frente com seu projeto pessoal: escalar a montanha mais alta de cada país. Perguntei-lhe se ela um dia se aposentaria das escaladas. Sua resposta foi: “Quando sentir que estou ficando fisicamente fraca e posso causar problemas para outros companheiros, então deixarei de escalar”. Ela não parou de fazer o que ama, estar nas montanhas pendurando-se em cordas, porque completou xis anos e a sociedade dita que não se deve mais fazer certas coisas por isso ou porque sua filha se casou e daí virão netinhos (que ela ainda não tinha naquela época). Ela reconhecerá o momento de parar quando seu corpo lhe mostrar isso. E certamente se dedicará a outras atividades, pois pessoas assim não se contentam em ficar sentadas esperando a morte chegar.

Guardadas as devidas proporções com relação ao natural desgaste físico e, às vezes mental, que os anos trazem, a questão é que não deveríamos nos enterrar antes da hora nem deixar de sonhar, de querer, de se apaixonar, de transar, de viajar, de sermos produtivos. E acima de tudo, o ideal é termos orgulho do que somos, do que vivemos e nos perguntarmos se, ao deixarmos este planeta, sentiremos que nossa passagem aqui valeu a pena – não apenas para nosso ego, mas para o pequeno pedaço que nele habitamos e para as pessoas com quem cruzamos. Nesse aspecto, rugas, plásticas, cremes, botox e lipoaspiração serão as coisas menos relevantes.

Ter ou não ter rugas

No fim das contas, a pergunta básica deveria ser: “O que estou fazendo da minha vida?” e não “O que as rugas ou a idade ou os ditames sociais estão fazendo com ela?”. Ser ou não ser, eis a mesma shakespeariana questão cuja opção é e sempre será pessoal e intransferível.

*Atualização: Em 25/11/2015, seu Antenor completou 106 anos de idade e continua casado, feliz, cercado por familiares e ganhando nas partidas de baralho.

Amandina Morbeck

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