Se você soubesse que tem uma doença terminal, o que faria?

Publicado em por Amandina Morbeck em Cotidiano, Gente
O cão Ringo foi parceiro de Miss Norma em seu último ano de vida - Foto: Driving Miss Norma.

Miss Norma e o cachorro Ringo, com quem dividiu seu último ano de vida – Foto: Driving Miss Norma.

Falar sobre nossa finitude não é tema corriqueiro nas conversas que temos com amigos, com familiares, com filhos e com parceiros. No entanto, ignorá-la é negar a única certeza absoluta de toda a nossa breve existência e muitas vezes me pergunto: se eu soubesse que tenho uma doença terminal, o que faria? Será que me submeteria a tratamentos paliativos para diminuir, sei lá, o tamanho de um tumor que poderia me incapacitar mais rapidamente se isso não fosse feito? Será que entraria em depressão? Será que tentaria fazer o máximo de coisas, dessas que vamos deixando, esperando o momento certo, a quantidade extra de grana, a temperatura ideal, a estação mais agradável? Será que abriria mão de tudo e colocaria os pés na estrada para me despedir do planeta visitando, num trailer, os parque nacionais americanos que acho o máximo? Será que iria tentar chegar ao acampamento base do Monte Everest para ver a montanha mais alta do mundo, que sempre instigou minha imaginação por ser um dos lugares mais inóspitos do planeta? Será que faria aquela viagem de bike que sempre sonhei, conhecendo a Suíça de norte a sul e de leste a oeste? Será que iria para a Noruega para finalmente ver as incríveis auroras boreais?

A resposta para cada questionamento é um grande não sei. Mas se ainda pudesse ter energia suficiente até o momento de precisar parar para morrer, sim, eu gostaria de fazer algumas ou todas essas coisas. E também seria maravilhoso se essa jornada final pudesse ser compartilhada com quem amo romanticamente, bem como com amigos. Que ficassem as boas lembranças e, no momento último do desligamento do meu cérebro, guardião das minhas memórias, eu ainda me alegrasse com tudo o que vivi e senti.

E talvez seja por isso que me emocionei tanto com a história de Norma Jean Bauerschmidt, uma americana de 90 anos que escolheu a forma de morrer.

Driving Miss Norma

Miss Norma, sua nora Ramie e seu filho Tim - Foto: Driving Miss Norma.

Miss Norma, sua nora Ramie e seu filho Tim – Foto: Driving Miss Norma.

Esse foi o título da página no Facebook, hoje com mais de 500 mil curtidas (veja aqui), que Tim Bauerschidt e Ramie Liddle, filho e nora de Miss Norma, criaram para compartilhar seu dia a dia após ela ouvir que tinha câncer no endométrio – e isso aconteceu dois dias depois da morte de seu marido, com quem compartilhou 67 anos de sua vida. Ao ouvir o diagnóstico e os tratamentos sugeridos pelo médico – cirurgia (sem nem mesmo garantia de que sobreviveria), hospital, quimioterapia, radioterapia e casa de repouso para esperar a morte chegar -, ela respondeu que não queria nada daquilo. Tim e Ramie perceberam que não queriam deixá-la só ou nas mãos de profissionais para cuidarem dela nesse fim da vida, por isso a convidaram para morar com eles. Mas tinha uma questão: aposentados, os dois e o cachorro Ringo viviam num trailer, viajando de um lado para o outro dos Estados Unidos. E qual não foi a surpresa deles quando Miss Norma disse “sim” para aquele estilo de vida e para o que seria a maior aventura de sua vida.

Até então, ela havia vivido da forma esperada socialmente, sem grandes “uaus!”. Antes de casar, serviu na Marinha americana e foi enfermeira num hospital em San Diego, Califórnia durante a Segunda Guerra Mundial. Depois disso, viveu para sua família em Michigan, raramente aventurando-se para longe de casa. Assim, quando o trailer começou a rodar com seus quatro ocupantes, foi o início de uma série de “primeira vez” para ela, como visitar Estados diferentes, conhecer uma plantação de lavanda (sua flor favorita), ver baleias orca, comer comida que nunca havia experimentado – hambúrguer de carne de búfalo, tomates verdes fritos, lagosta, ostras e torta de limão, pela qual se apaixonou perdidamente – e fazer amigos ao longo do trajeto, entre tantas outras coisas.

Miss Norma pelo caminho

Miss Norma aproveitando momentos divertidos em seu último ano de vida - Foto: Driving Miss Norma.

Miss Norma em momentos divertidos durante a viagem – Foto: Driving Miss Norma.

A família viajou quase 20.800 km em um ano, dormiu em mais de 75 lugares em 32 Estados e visitou dezenas de parques nacionais, de monumentos e de áreas recreativas.

Além de ter se deslumbrado com tantas belezas naturais, Miss Norma voou num balão, andou a cavalo e foi à pedicure. Depois que sua página foi criada no Facebook, ganhou um monte de fãs mundo afora, pessoas que passaram a acompanhar e a admirar o pique e a alegria daquela senhora a descobrir o mundo e as novas emoções que suas experiências lhe proporcionavam. Seu filho e sua nora sentiam da mesma forma, pois Miss Norma os surpreendia diariamente com sua curiosidade, sua alegria, sua disposição em meio à debilidade física.

Pelo caminho, sua história foi ficando cada vez mais conhecida e foi contada em canais de TV, em jornais e em dezenas de sites e de blogs. Com isso, era facilmente reconhecida por onde passava e tinha a chance de interagir pessoalmente com quem vinha para conversar.

Antes de a viagem começar, Miss Norma dizia que não gostaria que publicassem fotos com ela, mas isso foi mudando à medida que o trailer levava a família de um ponto a outro. Ser inspiração para tanta gente a fez gostar de ser vista, de ser reconhecida e de receber o carinho de tanta gente. Quando perguntada sobre seu lugar favorito entre tantos que já havia visitado, respondia: “Bem aqui!”.

O que queremos para nós e para quem amamos

Alegria independentemente da condição física - Foto: Driving Miss Norma.

Alegria independentemente da condição física – Foto: Driving Miss Norma.

Ramie, a nora de Miss Norma, diz que espera que sua história ajude as pessoas a conversarem sobre o fim da vida com aqueles que amamos. Realmente, precisamos quebrar essa barreira e parar de tratar a morte como se ela não fizesse parte da vida. É normal termos medo, mas também é importante refletirmos sobre o que queremos quando nossa hora chegar, principalmente enquanto estivermos conscientes e em condições de escolher. Ignorar o processo de despedida pode significar a perda de uma grande oportunidade de fechar esse ciclo existencial (independentemente das crenças pessoais) se possível com alegria, com gratidão, com verdade, com lágrimas, com despedida sem douramento da pílula, sem diminuir nem ignorar o momento mais difícil que conscientemente podemos vivenciar internamente e com quem nos é querido.

Grandeza em meio a finitude

Miss Norma e Tim três dias antes de sua morte - Foto: Driving Miss Norma.

Miss Norma e Tim três dias antes de sua morte – Foto: Driving Miss Norma.

Nesse último ano de vida de Miss Norma, imagino que ela e sua família tenham tido momentos difíceis. Afinal, não tinha como ignorar o fato de que estavam convivendo com uma pessoa em fase terminal, mas isso não diminuiu a grandeza do que compartilharam até o fim. O aprendizado que isso trouxe aos três nunca será esquecido por quem ficou. E certamente Miss Norma despediu-se deste planeta muito mais feliz do que se tivesse ficado um ano numa cama, cercada por estranhos, esperando a morte chegar.

A última foto que Tim postou no Facebook com ela, já visivelmente debilitada numa cama, mas ainda demonstrando alegria, foi acompanhada dessa linda e emocionante frase do Ursinho Puff: “How lucky I am to have something that makes saying goodbye so hard [Que sorte a minha por ter algo que torna a despedida tão difícil]“. 

Essa imagem ilustrou o post para informar sobre a morte de Miss Norma no dia 30/9/2016 - Foto: Driving Miss Norma.

Essa imagem ilustrou o post para informar sobre a morte de Miss Norma no dia 30/9/2016 – Foto: Driving Miss Norma.

Curti muito acompanhar Miss Norma e suas descobertas e fiquei bem triste quando li sobre sua morte no dia 30 de setembro de 2016. Ficaram as lembranças e uma história inspiradora que acabaram sendo transformadas em livro, que será lançado em 2 de maio deste ano (veja aqui) e já está em minha lista. 

E você, o que gostaria para si e para pessoas que você ama se estivesse numa situação parecida?

(Texto: Amandina Morbeck)

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