Renata Chlumska, a superaventureira sueca/tcheca [Entrevista]

Publicado em por Amandina Morbeck em Entrevistas
Renata Chlumska em seu elemento: ar livre, caiaque, água, aventura - Foto: Reprodução.

Em seu elemento: ar livre, caiaque, água, aventura – Foto: Arquivo pessoal.

Nascida na Suécia de pais tchecos, portanto com duas cidadanias, foi Renata Chlumska, ex-modelo que se identificava muito mais com atividades ao ar livre do que com as passarelas, que abriu as portas para mim na revista Aventura&Ação em 2005. Não que ela tenha vindo ao Brasil para isso, mas foi graças a uma entrevista que fiz com ela, depois de ler sobre seu projeto de circunavegação dos Estados Unidos de caiaque ou de bike, onde não tivesse água, e sobre seu relacionamento com Goran Kropp, sueco também que havia vivido aventuras incríveis (leia sobre ele aqui).

Depois de contatá-la por e-mail e enviar as perguntas após ela ter concordado em dar a entrevista, conversamos por telefone – ela em Seattle, capital do estado americano de Washington, em meio aos preparativos finais para partir para sua aventura, o projeto Around America Adventure, e eu num apartamento no Bairro Aclimação em São Paulo capital. Ela preferiu conversar porque disse que não teria muito tempo de responder às perguntas escrevendo. E o mais incrível: ela quis ligar para mim e o fez no horário que combinamos – com o devido desconto do fuso horário! Depois, enviou as imagens que ilustraram a entrevista que foi publicada em agosto daquele ano na revista e acabei sendo contratada como repórter.

Na época, Renata estava com 31 anos e um ou outro gato pingado aqui no Brasil sabia que ela existia por causa de sua história com Goran Kropp e do fato de ter sido a primeira sueca/tcheca a chegar ao topo do Monte Everest em 1999, mas nenhum sabia por onde ela andava e muito menos sobre sua aventura, que começou em 04/07/2005, dia da independência americana, um mês antes da revista entrar nas bancas. Abaixo, forneço detalhes sobre essa expedição e também atualizo as informações sobre Renata até janeiro/2016.

Eis a entrevista de 2005:

Amandina Morbeck: Fale sobre sua relação com Goran Kropp, que parece ter tido uma influência muito grande em sua vida. Como se conheceram e quanto tempo durou a relação?
Renata Chlumska: Ele foi meu instrutor de escalada e me apaixonei primeiro pela atividade e depois por ele. Ficamos juntos por sete anos e ele foi um grande companheiro. Éramos muito unidos, sempre dando força um ao outro, ainda que momentaneamente separados, e compartilhamos escaladas e viagens de bike e de moto.

AM: Quando foi a aventura de moto? Você estava sozinha? Que países visitou?
RC: Foi em 1997 e eu estava com Goran e mais quatro pessoas. Saímos de Nova Delhi, na Índia, passamos pelo Paquistão, pelo Irã e pela Turquia e seguimos até a Suécia.

AM: Você já levou expedições ao Everest?
RC: Apenas trekking ao acapamento base, não para escalar até o topo, pois para isso é necessário muita experiência e a responsabilidade é enorme.

AM: Em 1999 você chegou ao topo do Everest, a primeira sueca a fazer isso. Como foi a experiência?
RC: Na verdade, escalei com o Goran e mais algumas pessoas, incluindo um cinegrafista. Nossa expedição tinha por intuito recolher 25 cilindros de oxigênio dos mais de 500 abandonados pela montanha naquela época. Vinte e cinco pode soar pouco, mas considerando o tamanho da expedição, 12 pessoas ao todo, sendo 6 sherpas, foi um grande feito.

AM: Dpois de ter chegado ao topo do Everest você voltou ao Himalaia?
RC: Sim, até 2002 eu era guia. Depois, voltei a Kathmandu em 2003, nas comemorações dos 50 anos da primeira escalada. Foi muito emocionante porque finalmente conheci Sir Edmund Hillary [o primeiro a chegar ao topo do Everest em 1953, na companhia do sherpa Tenzing Norgay] e até conversei com o rei do Nepal.

AM: Goran e você contribuíram para a construção de uma usina para tratamento de água, um hospital e uma escola no Nepal. Como vão esses projetos?
RC: Muito bem, especialmente a escola. Nossa contribuição é permanente para que continuem sobrevivendo. Ajuda estrangeira é fundamental no Nepal.

AM: Sobre sua atual aventura, há quanto tempo você a vem planejando?
RC: Quase quatro anos. Foi um projeto meu e do Goran e para que ele pudesse ser realizado, mudamos para os Estados Unidos em 2002.

AM: E como ela será feita?
RC: Partirei de Seattle remando um caiaque especialmente preparado e descerei pela costa oeste americana até San Diego, onde começarei a pedalar. Atravessarei a Califórnia, o Arizona e o Novo México de bike. Em terra, o grande desafio será pedalar puxando o caiaque num trailer com todo o equipamento.

AM: E qual o peso disso tudo?
RC: Uns 150 kg. Terei de cruzar o Deserto de Sonora, o mais quente da América do Norte. E assim irei, pedalando até voltar a remar no Rio Grande, Texas, em direção ao Golfo do México.

AM: Foi difícil encontrar patrocínio?
RC: Dessa vez não foi tão difícil como das outras. Talvez porque algumas empresas já conheciam meu histórico, enquanto outras viram que isso não era uma brincadeira para mim. Senti que as pessoas estão me respeitando mais por tudo o que já fiz. 

AM: O que você busca e o que quer transmitir às pessoas com essa expedição?
RC: Gosto do que faço e de desafiar a mim mesma. Por outro lado, é fantástico estar próxima da natureza, encontrar pessoas, fazer contato com o diferente. Também quero que minhas aventuras inspirem as pessoas. Nós, mulheres, somos muito fortes, mas parece que não sabemos disso. Não é necessário ser homem para fazer esse tipo de coisa. Mas no fundo, ainda que o que eu fizesse não servisse para ninguém, faria do mesmo jeito porque gosto.

AM: Como todas essas experiência mudaram você a forma como você vive e interage com o mundo?
RC: Ficar perto da natureza ajuda a aumentar minha consciência sobre questões como poluição e mudanças climáticas. Quando viajo, procuro interferir o mínimo possível no ecossistema. Somos “um” e precisamos cuidar do planeta. Viajar e encontrar pessoas de outras tradições e culturas também torna a vida mais rica e, com isso, acabei desenvolvendo um nível elevado de aceitação e de respeito para com o que é diferente.

AM: E o Brasil, está em seus planos?
RC: Não conheço o Brasil, apesar da curiosidade. Gosto muito da língua portuguesa falada aí, tenho vários CDs de cantores brasileiros e minha música favorita é “Mais que nada”. Conheço partes do Brasil por fotos e diria que vocês precisam cuidar melhor da natureza. Saiam, aproveitem a vida ao ar livre, vão pra praia, pratiquem esportes de aventura.

AM: As pessoas aqui ainda acham estranho que alguém queira correr tantos riscos.
RC: Não é só aí, na Suécia também. Muitas pessoas me perguntam “por quê?”. Tudo bem de ir acampar, mas não mais que isso. A questão é que os esportes de aventura estão cada vez mais interessantes e seguros.


Atualização: mais informações sobre Renata Chlumska

Registro de Renata Chlumska depois de ter chegado ao topo do mundo em maio/1999 - Foto: Arquivo pessoal.

Registro depois de ter chegado ao topo do mundo em maio/1999 – Foto: Arquivo pessoal.

  • Em 1995, fez seu primeiro curso de escalada e descobriu uma nova paixão, pois percebeu que “podia combinar desafio físico e mental, companheirismo e vida ao ar livre com muito respeito pelo meio ambiente”.
  • 1996 – Apoio no acampamento base do Everest para Goran Kropp durante as sete semanas que durou sua expedição solo ao topo do mundo. Pedalou de volta com ele do Nepal à Suécia.
  • 1997 – Organizou uma expedição ao Shishapangma, no Tibet, a 8.012 metros de altitude. Tornou-se a primeira sueca a escalar acima de 8.000 metros de altitude sem oxigênio. Voltou pilotando uma moto para a Suécia, na companhia de Goran e outros amigos, partindo da Índia e passando pelo Paquistão, pelo Irã e pela Turquia.
  • 1998 – Escalou na rocha e no gelo na Suécia, na Noruega, nos Estados Unidos, na Austrália e em outros países da Europa.
  • 1999 – Coordenou o projeto Swedish Everest Cleaning Expedition (Expedição Sueca para Limpeza do Everest) e tornou-se a primeira sueca/tcheca a chegar ao topo da montanha mais alta do mundo no dia 5 de maio. Fez uma expedição de duas semanas numa motocicleta pela Índia.
  • 2000 – Coordenou a expedição sueca ao polo norte. Organizou e guiou duas expedições ao Kilimanjaro.
  • 2001 e 2002 – Organizou e guiou expedições ao Kilimanjaro e trekking ao acampamento base do Monte Everest. Estava guiando no Nepal quando recebeu a notícia da morte de Goran.
  • 2004 – Foi escolhida pela revista norte-americana Outside como uma das 25 melhores atletas e aventureiras do ano.
  • 2005 e 2006 – Fez a circunavegação dos Estados Unidos.
  • 2007 – Recebeu o prêmio principal no International Festival of Alpinism em Praga.
  • 2012 – Fez palestra no projeto TEDx – veja aqui.
  • 2012 – Organizou uma exposição fotográfica nos 10 anos da morte de Goran Kropp.
  • 2012 – Comemorando 13 anos de sua chegada do topo do mundo, ela escreveu:

“Mesmo depois de 13 anos, ainda me lembro como se fosse ontem. Deixamos o colo sul (south col) por volta da meia-noite e atingimos o cume ao meio-dia. Por 12 horas meus únicos pensamos foram dar um passo de cada vez. “Um passo a mais é um passo mais perto mais perto do cume”, fiquei repetindo na minha cabeça. O frio tinha penetrado todas as camadas de roupas, até os ossos, meus pulmões gritavam por mais oxigênio, minha cabeça doía e nesse ponto é fácil começar o questionamento se aquilo vale a pena. Mas vale. Porque aquele incrível sentimento de alegria total que tomou conta de mim no instante que cheguei ao topo apagou cada milímetro de dor. E hoje, enquanto a dor não mais existe, a alegria e o orgulho ficaram no meu coração e ainda são muito presentes. Especialmente hoje, só preciso fechar meus olhos e volto imediatamente ao topo de novo!”

  • 2015 – Depois de chegar ao topo do Monte Vinson, na Antártica, tornou-se a primeira sueca/tcheca a completar o projeto Seven Summits, de chegar ao topo da montanha mais alta de cada continente. Nesse documentário de 30 minutos (infelizmente em sueco, mas dá para curtir as lindas imagens), sua trajetória ao longo de 15 anos para completar os sete.
Renata Chlumska no topo dos Seven Summits - Foto: Reprodução You/Tube.

No topo dos Seven Summits – Foto: Reprodução You/Tube.

  • Os  Seven Summits são (com mês e ano que Renata chegou ao topo; cinco deles ela subiu em apenas seis meses no segundo semestre de 2014!):
    • Everest (Ásia/Nepal) – 8.848 metros de altitude (maio/1999)
    • Aconcágua (América do Sul/Argentina) – 6.962 metros de altitude (novembro/2014)
    • McKinley ou Denali (América do Norte/EUA) – 6.194 metros de altitude (julho/2014)
    • Kilimanjaro (África/Tanzânia) – 5.895 metros de altitude (junho/2000 e 2014)
    • Elbrus (Europa/Rússia) – 5.642 metros de altitude
    • Vinson (Antártida) – 4.892 metros de altitude (dezembro/2014)
    • Carstensz Pyramid (Oceania/Indonésia) – 4.884 metros de altitude (outubro/2014)
  • 2015 – Fez palestra no projeto TEDx, na qual ela fala sobre sonhos, sobre paixão, sobre a importância de ter o seu coração no que você faz – veja aqui.
  • Entre tantas atividades, dá palestras motivacionais, é garota-propaganda de várias marcas e está na lista para voar no projeto Virgin Galactic, de Richard Branson, de levar pessoas para turismo espacial.
  • Está em treinamento para ser astronauta. Seu próximo objetivo: andar na Lua.

Around America Adventure

Renata Chlumska passando pela Estátua da Liberdade para chegar à Ilha de Manhattan na cidade de Nova York - Foto: Arquivo pessoal.

Passando pela Estátua da Liberdade para chegar à Ilha de Manhattan na cidade de Nova York – Foto: Arquivo pessoal.

Nas palavras de Renata:
“15 de setembro é um dia muito especial para mim. Naquele dia, terminei o projeto Around America Adventura 2005/2006. Uma expedição na qual circunaveguei os 48 estados americanos com minha força, remando e pedalando. Foram 439 dias ao todo e mais de 18.000 km. Foi uma expedição originalmente planejada com Goran Kropp, mas depois de sua morte, decidi que tentar e realizá-la sozinha. O dia que remei de volta a Seattle, passando pelo Ballard Lock para chegar ao Lago Union, a alegria, o alívio e a felicidade que senti foram imensos, assim como o apoio que recebi de pessoas durante a jornada. Mais tarde, naquele mesmo dia, o prefeito de Seattle declarou que 15 setembro seria batizado de Renata Chlumska Day. Nada mal!”
Quando Renata Chlumska não pedalava, puxava o caiaque apoiado num trailer com toda a tralha dentro ou amarrada nele - Foto: Arquivo pessoal.

Quando não pedalava, puxava o caiaque apoiado num trailer com toda a tralha dentro ou amarrada nele – Foto: Arquivo pessoal.

Dados da expedição – que também acompanhei por meio do diário de bordo que ela publicou durante o percurso
  • Início dia 04/07/2005 e fim dia 15/09/2006 – saída e chegada em Seattle – 439 dias ao todo.
  • Fez toda expedição sem apoio.
  • Foi a primeira pessoa a fazer isso.
  • Passou por 48 estados americanos.
  • Onde havia água, caiaque; onde não havia, bike – puxando o caiaque num trailer (que ficava dobrado dentro no compartimento do caiaque) junto com todo seu equipamento (mais ou menos 150 kg). Veja no mapa:

Mapa da circunavegação de Renata Chlumska na expedição Around America Adventure em 2005/2006.

  • Em setembro, dois meses do início, precisou interromper a aventura e voltar para a Suécia porque seu irmão morreu.
  • Distância percorrida: 18.200 km.
  • Queimou mais de 2,5 milhões de calorias nesse tempo.
  • Equipamento: fora o caiaque e o remo, o trailer com duas rodas para puxar tudo enquanto pedalava (a bike era deixada nos locais que ela precisava), barraca, fogareiro e demais tralha para acampar, comida liofilizada, duas videocâmeras, um notebook, roupa, lanterna de cabeça, GPS.
  • Teve de desviar a rota planejada de caiaque quando chegou à região afetada pelo furacão Katrina.
  • Duas falas que destaquei:

“Chegar a Manhattan foi demais. Quando passei pela Estátua da Liberdade, me dei conta de que a pior parte da canoagem tinha ficado para trás.”

“Eu jamais quereria ter deixado essa expedição inacabada, mas estou feliz porque acabou.” (Ao chegar a Seattle no último dia da aventura.)

Renata num dos acampamentos - Foto: Arquivo pessoal.

Num dos acampamentos – Foto: Arquivo pessoal.

 O vídeo abaixo, com menos de 5 minutos, resumiu bem o que foram esses 439 dias.

De volta a Seattle no dia 15/09/2006, que se transformou no Dia de Renata Chlumska por decreto do prefeito - Foto: Arquivo pessoal.

De volta a Seattle no dia 15/09/2006, que se transformou no Dia de Renata Chlumska por decreto do prefeito – Foto: Arquivo pessoal.

Leia também: Renata no Huffington Post em fevereiro/2015.

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