No meu tempo não se chamava bullying

Publicado em por Amandina Morbeck em Cotidiano
Post: No meu tempo não se chamava bullying.

O mundo seria tão melhor se houvesse mais respeito pelo outro – Foto: Dodgerto Skillhause/MorgueFiles.

No meu tempo de escola esse tormento de ser perseguido por colegas maldosos e covardes (nunca estão sozinhos) não era chamado de bullying, mas o horror de ter vivenciado isso até hoje tem registro em mim. Lembro-me que tive dois perseguidores: um menino que tinha o dobro do meu tamanho, chamado Humberto, que estudava na minha sala, me importunava o que podia e na saída do colégio ele ficava me esperando do lado de fora e me batia, sem que ninguém intercedesse a meu favor.

Muitas vezes, cheguei em casa chorando e minha mãe foi o mesmo tanto de vezes à casa dele para conversar com seus pais. Era a mesma coisa que nada. Até que um dia ele parece ter se cansado de fazer isso, não me lembro bem. Depois, já adolescente, ele teve a desfaçatez de tentar ser meu amigo, fazendo aquele discurso de que o que aconteceu “era coisa de criança”. Tive vontade de cuspir em sua cara. Nas vezes em que tive a infelicidade de revê-lo na cidade onde ainda moram meus pais, um cumprimento frio e distante foi o máximo que ele conseguiu de mim.

Depois, na adolescência, sofri perseguição de uma menina um pouco mais velha do que eu. Estudei em colégio de freiras, com regimes de internato e de semi-internato, até a oitava série. Essa menina era interna, ou seja, seus pais moravam em outra cidade e ela ficava ali meses e meses até chegarem as férias escolares, quando ela podia sair e visitar sua família.

Pois bem, estivesse eu sozinha ou com colegas essa menina sempre aparecia para me importunar. Era com provocações verbais, às vezes empurrões e eu na minha, sempre tentando sair fora sem entrar naquela vibração de ódio. Até o dia em que ela encontrou o que procurava.

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Ninguém deveria ter medo de ir à escola – Foto: Alvimann/MorgueFiles.

Meus seios estavam crescendo e as mulheres sabem como essa fase é complicada. Além das mudanças provocadas pelos hormônios, os seios ficam muito, mas muito doloridos. Estava eu com duas colegas, andando pelo corredor do colégio, quando ela veio em minha direção, com o mesmo ar de superioridade e de arrogância. Chegou perto de mim e começou a zombar do fato de os meus seios começarem a aparecer. De repente, enfiou o dedo no meu seio esquerdo com toda a força. A dor que senti foi lancinante e a resposta foi automática: enfiei a mão na cara dela, num soco tão forte que ela caiu para trás, sangrando pelo nariz, enquanto lágrimas de dor e aí, sim, de muito ódio, desciam pelo meu rosto. Fiquei congelada, em pé, esperando que ela se levantasse e viesse pra cima de mim, mas isso não aconteceu. Acovardada, ela começou a gritar para chamar a atenção para o que “eu havia feito a ela”. Fala sério!

Depois que ela foi atendida na enfermaria, fomos chamadas à sala da diretora, a madre superiora do colégio. Dei minha versão dos fatos e a única coisa que ela podia dizer de mim foi aquele único soco depois de meses aguentando aquele inferno. A madre disse que conversaria com todas as meninas que indiquei para que confirmassem o que eu estava dizendo.

Naquele dia mesmo minha mãe também foi chamada ao colégio e voltei com ela para casa, depois que ela se reuniu com a diretora. No período de averiguação dos fatos, essa menina ficou bem longe de mim. Antes do fim do semestre ela foi expulsa e nunca mais a vi. Foi das poucas vezes em que vi alguém que fez algo de muito ruim ser punido exemplarmente. Não me orgulho do soco que lhe dei, mas também não me arrependo. Se não tivesse feito isso provavelmente ela continuaria a me atazanar até o dia que bem entendesse, como aconteceu com Humberto.

Vejo sobre bullying ou perseguição gratuita o tempo todo na mídia e não me venham com essa história de que é “coisa de criança” ou “coisa de adolescente”. São maldade e covardia puras – aprendidas fora da escola e trazidas até ela por ser o canal de escape. Se fosse algo “natural”, como alguns defensores querem, isso seria tão parte dessas fases como são as outras características comuns em cada uma delas, ou seja, todas as crianças e todos os adolescentes agiriam da mesma forma, mas não é o que acontece. (Existe bullying praticado por adultos também, mas não comentarei neste post.)

Minha outra questão a respeito disso está no foco que a mídia dá e que para mim está equivocado: o problema não está apenas na escola, como eu disse anteriormente, mas no que é ensinado ou observado por essas crianças e por esses adolescentes antes de chegarem à escola, ou seja, o problema existe antes que eles comecem a conviver com outras pessoas de forma tão sistemática e cotidiana. Afinal, o que é vivenciado em casa ainda é mais forte que tudo; não adianta querer transferir à escola a total responsabilidade pela formação de um ser. Tudo o que é externo ao ambiente familiar – existente ou não – é apenas complemento.

Amandina Morbeck

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