Idade não precisa rimar com debilidade

Publicado em por Amandina Morbeck em Cotidiano
Idade não é sinônimo de debilidade.

Tomico More Saito, que tinha 81 anos em 2007, completou os 15 km da São Silvestre em 2h31min36s, classificando-se em 2.515º lugar. Foto: Amandina Morbeck

(Este post, Idade não precisa rimar com debilidade, foi originalmente publicado em fevereiro/2008 no Portal Extremos.)

31 de dezembro de 2007. Pela primeira vez, fui assistir à largada da corrida de São Silvestre. Ao longo da Av. Paulista estavam milhares de pessoas para ver os corredores e corredoras do Brasil e de outros países passarem velozes. De repente, o zum-zum: “Largaram!”. Posicionei minha câmera e vi o pelotão feminino se aproximando e passando quase em um piscar de olhos. Observei as corredoras até vê-las desaparecerem aos poucos pela avenida, quando palmas às minhas costas me chamaram a atenção. E lá estava aquela senhora japonesa correndo sozinha em ritmo lento, os joelhos protegidos, concentrada. Vagarosamente foi desaparecendo avenida abaixo.
Fiquei muito emocionada e curiosa para saber quem era. Graças à bendita Internet, descobri que seu nome é Tomico More Saito, tinha 81 anos e completou os 15 km da São Silvestre aquele dia em 2h31min36s, classificando-se em 2.515º lugar. Para comparação, uma amiga minha de 33 anos terminou a prova com 2h09min25s.
Essa senhora talvez nunca saiba do impacto positivo que me causou, inspirando-me e reforçando minha crença de que idade não é sinônimo de debilidade e não deveria servir de desculpa para as pessoas não se exercitarem, não se aventurarem, não sonharem, não acreditarem que podem ir além, não amarem, não transarem, não se apaixonarem, não fazerem algo que nunca fizeram e sempre tiveram vontade.
Claro que à medida que envelhecemos devemos ser mais cuidadosos com relação à saúde e aceitarmos que determinadas limitações naturalmente se farão presentes. Mas nada disso – a não ser, claro, que tenhamos algo grave e realmente limitante – deve servir como impedimento para continuarmos ativos, sonhadores, aventureiros.

Idade não é sinônimo de debilidade.

Pelotão feminino na corrida de São Silvestre em 2007 – Foto: Amandina Morbeck.

À medida que também envelheço, vejo cada vez mais que é uma opção se limitar fisicamente quando se é saudável. É incrível como as pessoas usam a idade para justificarem sua dificuldade de sairem do lugar comum, aventurarem-se por aí. Quando falo em aventura, não me refiro apenas a seu sentido mais restrito, como fazer atividades geralmente ao ar livre sob riscos mais ou menos controlados. Refiro-me à busca por aquilo que não faz parte do cotidiano. Até sair para jantar fora, ir ao cinema, pedalar uma bike no parque, experimentar um sabor diferente de sorvete, ter curiosidade aguçada, aprender uma língua ou uma atividade nova ou entrar para uma academia pode ser uma aventura para muitas pessoas. A questão básica é não se conformar.

Certamente, tem havido mudanças na forma de se pensar essa questão graças ao aumento da expectativa de vida, mas ainda há um longo caminho para que a maioria das pessoas perceba que envelhecer tem sua beleza e seu valor. Pode ser que isso não se reflita mais no viço da pele, nas curvas acentuadas do corpo, no abdome ‘tanquinho’, mas se vivermos livres das tentativas, na maioria das vezes frustradas, de lutarmos para aparentarmos menos do que temos, teremos mais tempo para nos dedicarmos a coisas mais relevantes e duradouras. No fim das contas, quando for a hora de partir para sempre, o que levaremos conosco?

O Brasil não tem cultura de ‘mochilança’, mas na Europa, principalmente, e em países asiáticos, para onde viajam muitos europeus, é muito comum encontrarmos pessoas na terceira idade viajando com uma mochila nas costas, um mapa na mão, às vezes sozinhas. Costumo dizer que enquanto conseguir carregar a minha, ainda vou trilhar muitos caminhos por aí.

Ao dizer isso lembro-me da francesa Alexandra David-Néel. Ela foi a primeira ocidental, disfarçada, a visitar Lhasa, a cidade sagrada tibetana, em 1924. Aos dois anos, ela já fugia de casa querendo ver mais do mundo, saber onde a estradinha que passava em frente à casa de seus pais ia dar. Fez isso várias vezes até colocar seus pés definitivamente na estrada. A partir dos 82 anos não pôde mais viajar por problemas de saúde – ela tinha reumatismo. Então continuou escrevendo seus livros e artigos. Pouco antes de morrer, às vésperas de completar 101 anos, foi à prefeitura da cidade onde morava, Digne, interior da França, para renovar seu passaporte! Seu corpo podia não responder mais, mas sua mente definitivamente era a de uma aventureira, de alguém que ainda sonhava, que não se conformava. Sua história de vida é uma das mais lindas que conheço e uma das que mais me inspiraram também (veja no site www.alexandra-david-neel.org – em inglês ou francês). Reverencio pessoas como ela – e como Tomico More Saito –, que definitivamente não rimaram ou rimam idade com debilidade.

    • Atualização em janeiro/2016: Tomico, que completará 90 anos em março deste ano, acumula mais de 680 medalhas e 40 troféus.

Amandina Morbeck

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