Filme: Oranges and Sunshine

Publicado em por Amandina Morbeck em Filmes/Livros/Vídeos
Pôster do filme Oranges and Sunshine, com Emily Watson.

Pôster do filme Oranges and Sunshine, com Emily Watson.

Oranges and sunshine é mais um desses filmes que apelido de “soco no estômago”, baseado numa história real e tendo como protagonista a atriz Emily Watson. Eu o assisti ontem à noite no Netflix e me dividi entre muito emocionada e muito enfurecida.

Ele é baseado no livro Empty cradles (Berços vazios, em tradução livre), lançado em 2007 pela inglesa Margaret Humphreys, que descobriu um esquema criminoso e vergonhoso de envios de crianças do Reino Unido para a Austrália. Apesar de conhecido pelas autoridades, a forma como foram realizados nada tinham de legalizados.

Em 1986, ela era assistente social em Nottingham e trabalhava com apoio pós-adoção quando foi procurada por uma mulher em busca de suas raízes. Ela lhe contou que morava na Austrália, para onde havia sido levada ainda pequena num navio, na companhia de centenas de outras crianças de idades variadas, todas desacompanhadas de seus pais.

Entre surpresa e cética, recebeu o envelope que a estranha lhe entregou, mas não se preocupou até que outra história similar veio à tona, dessa vez de uma mulher, adotada na Inglaterra, que havia descoberto ter um irmão na Austrália, para onde ele havia sido levado quando pequeno, na companhia de outras crianças transportadas num navio.

Aí ela começou a investigar.

Sua descoberta foi estarrecedora

O que veio à tona balançou as estruturas dos governos desses dois países, bem como de igrejas católica e anglicanas e de instituições de caridade. Do pós-Segunda Guerra Mundial até 1974*, as “remessas” de crianças entre 3 e 14 anos de idade para a Austrália aconteceram com a promessa de “oranges and sunshine” (daí o título do filme) e de que, porque seus pais tinham morrido ou os abandonado na Inglaterra (o que nem sempre era verdade, pois às vezes eram deixados em abrigos governamentais enquanto a mãe, principalmente, tentava se reerguer socialmente), na Austrália seriam adotados por famílias amorosas e teriam uma vida incrível.

(*As datas divergem. O político David Cameron afirma que a última remessa aconteceu em 1967.)

A verdadeira Margaret Humphreys em foto atual - do filme Oranges and Sunshine - Reprodução: DailyMail.

A verdadeira Margaret Humphreys em foto atual – Reprodução: DailyMail.

Mas a realidade mostrou-se bem diferente: alguns encontraram novas famílias, mas a maioria foi distribuída em orfanatos e em fazendas em áreas remotas, recebendo, em vez de carinho e apoio emocional, trabalho escravo, agressões físicas, subnutrição e abusos sexuais. Um trauma tão grande que essas crianças cresceram com muito ódio, sentindo-se rejeitadas e, muitas vezes, incapazes de qualquer troca de carinho físico. Sem contar que muitas tiveram nome e data e local de nascimento alterados, acabando com qualquer referência à identidade anterior.

Enquanto isso, na Inglaterra, aos pais que procuravam os filhos “desaparecidos”, a história que lhes contavam era a de que eles haviam sido adotados…

(Os números divergem. Enquanto a Inglaterra fala em 130 mil, após intensa investigação o senado australiano chegou à conclusão que mais de 500 mil crianças foram enviadas ao país, mas além dele, houve remessas para outros, como Canadá, Zimbábue [conhecido como Rodésia, então], África do Sul e Nova Zelândia.)

“Num tempo em que berços vazios contribuem lamentavelmente na geração de espaços vazios, é necessário buscar fontes externas de abastecimento. Se não provermos de nosso próprio estoque, deixamo-nos ainda mais expostos à ameaça da abundância dos milhões das raças asiáticas nossas vizinhas.”
(Arcebispo de Perth ao receber uma leva de crianças britânicas em agosto de 1938)

Crianças britânicas a caminho de uma "nova vida" - Foto: Reprodução.

Crianças britânicas a caminho de uma “nova vida” – Foto: Reprodução.

Negação e pedido de desculpas

Embora todas as evidências estivessem à mão, Margaret sofreu calúnia, difamação e ameaças, além de ser obrigada a ouvir  as negativas dos envolvidos. Para encontrar a verdade, sacrificou a convivência com a família para mergulhar na busca por esses adultos e suas raízes, cujas histórias de vida eram totalmente desconhecidas de todos até pouco tempo.

Ela criou a Child Migrants Trust, uma fundação para apoiar essas pessoas, continuou seu trabalho e sua divulgação e finalmente, em 2009, Kevin Rudd, premiê australiano na época, veio a público apresentar um pedido de desculpas formal a essas crianças e a suas famílias; em 2010, foi a vez do premiê inglês Gordon Brown fazer a mesma coisa, ambos forçados pelas provas irrefutáveis, pelos relatos de quem viveu o drama e pela pressão da opinião pública.

Margaret estava na Austrália para ouvir o que Rudd tinha a dizer e declarou, após ouvi-lo: “Temos feito campanha há 20 anos por um reconhecimento desse tipo e com essa seriedade. Este é um momento significativo na história da imigração infantil. O reconhecimento é vital para que as pessoas se recuperem”.

Não deixe de ver o filme

O que relatei aqui é muito pouco do enredo do filme. Vale muito a pena assisti-lo, pois é bem feito, sem melodrama, com foco no sentimento – de Margaret e dos sobreviventes que ela encontrou. Na verdade, apenas uma pincelada diante de tudo o que todos vivenciaram.

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Pesquisando depois, descobri:

  • outro livro escrito por um sobrevivente, David Hill, intitulado The forgotten children;
  • que a rede de TV ABC lançou um documentário em 2009;
  • que existe um filme sueco, lançado em 2011, que trata de tema similar, The foster boy (Infância roubada).

Artigos on-line (clique no título para acessar)

O escandaloso abuso de milhares de crianças britânicas enviadas ao exterior

Austrália se desculpa por 4 décadas de maus tratos em orfanatos

Gordon Brown apologises to child migrants sent abroad

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