Filme: First they killed my father – dirigido por Angelina Jolie

Publicado em por Amandina Morbeck em Filmes/Livros/Vídeos
Sareum Srey Moch, protagonista do filme, em seu primeiro trabalho na telona. Ela foi descoberta numa escola para estrear no filme First they killed my father - Foto: Reprodução.

Sareum Srey Moch, protagonista do filme, em seu primeiro trabalho na telona. Ela foi descoberta numa escola para trabalhar no filme – Foto: Reprodução.

Sou fã de Angelina Jolie e contava os dias para 15 de setembro, data para a Netflix liberar o filme First they killed my father (Primeiro, mataram meu pai, em tradução livre), dirigido por ela e lançado em fevereiro deste ano. Apontar um ou outro erro num filme com mais de duas horas de duração é relativamente fácil, mas contar uma história com o nível de densidade que consegue transmitir o sofrimento do povo cambojano num tempo tão curto não é.

Ainda mais quando a escolha é fazer isso através dos olhos de uma criança que, com apenas 5 anos de idade, viu ruir sua estrutura familiar, a vida confortável e alegre que compartilhava com os pais e os seis irmãos e toda a noção de pátria que havia construído em sua breve existência e que foi implodida nos quase 4 anos seguintes sob domínio do Khmer Vermelho, um sistema comunista que pregava a união do país e a igualdade, mas que na verdade espalhou destruição e violência e matou aproximadamente 2,2 milhões de pessoas.

Conversa com Angelina acontece no cenário do filme First they killed my father - Foto: Reprodução.

Conversa com Angelina acontece no cenário do filme – Foto: Reprodução.

A perda de referências (escola, amigos, brincadeiras, vizinhança, família, alegria), da inocência infantil e de quem ela mais amava, bem como as agressões que sofreu e que testemunhou até os 9 anos de idade, vão despertando um desespero tão grande que em vários momentos pausei o filme para respirar e para chorar – chorar de verdade. Aquilo tudo aconteceu e foi muito, muito pior do que o que é mostrado no filme…

Capa do livro que resultou no filme, publicado no ano 2000.

Capa do livro que resultou no filme, publicado no ano 2000.

O roteiro vem do livro First they killled my father: a daughter of Cambodja remembers, escrito por Loung Ung, sobrevivente desse horror e a garotinha retratada no filme. Ele foi publicado no ano 2000 e, depois de ler o livro, Angelina (cujo primeiro filho adotivo é cambojano, Maddox) contatou a autora, as duas ficaram amigas, escreveram o roteiro a quatro mãos e as filmagens começaram em 2015.

Não há atores de outras nacionalidades para encenar o drama sofrido por aquele povo. Iniciantes (como a protagonista, a pequena Sareum Srey Moch), figurantes (centenas deles), a autora do livro, o produtor Rithy Panh (que também é diretor de cinema) e Maddox, que é produtor executivo do filme, são todos daquele país. Fora isso, ele foi todo filmado lá na língua local.

Numa entrevista, Rithy Panh disse algo que gostei muito: “[Angelina] fez um filme conosco e não sobre nós. Algumas pessoas vêm até nós e tomam nossa história e fazem o filme. Ela não fez assim. Ela foi muito respeitosa, envolveu a comunidade local”.

Poucos diálogos e muita intensidade

Não existem grandes diálogos nem efeitos especiais nesse filme. Ele é muito visual, lento, para sentir. O título pode induzir o espectador a pensar que a primeira cena ou a parte mais marcante é a morte do pai de Luong, mas sua morte acontece antes mesmo da física e é mostrada de forma silenciosa com ele de frente para uma fogueira. Não há enfoque em nada em particular, mas não há cenas sem significado ou deslocadas. Nada passa despercebido.

Angelina causa desespero. Primeiro, porque ela conseguiu transmitir a mim a exata sensação de que os quase 4 anos da ditadura do Khmer Vermelho, liderada por Pol Pot, pareceram 40 – e certamente foi como as pessoas que sofreram as consequências também sentiram a passagem do tempo. Segundo, porque ela parece querer que o espectador sinta o horror, devagar, que mergulhe mesmo. Você quer sair da angústia, quer que acabe logo, mas ela não deixa porque na cena seguinte vem mais emoção, vem aquele olhar da garotinha, vem suas lembranças, vem a nova terrível realidade na qual ela está inserida. No fim, enxugando as lágrimas e com a garganta travada, acabei agradecendo Angelina por ter sido tão dura. Não havia outra forma de contar essa história e ela precisa ser contada de novo e de novo.

Ele vai concorrer ao Oscar

First they killed my father - Produtor Rithy Panh, autora e produtora Loung Ung, Angelina Jolie e os atores-mirins Kimhak Mun e Sareum Srey Moch - a protagonista - Foto: Reprodução/Michelle Quance.

Produtor Rithy Panh, autora e produtora Loung Ung, Angelina Jolie e os atores-mirins Kimhak Mun e Sareum Srey Moch, a protagonista – Foto: Reprodução/Michelle Quance.

First they killed my father vai concorrer – como produção cambojana – ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018, graças ao fato de Angelina ter dupla cidadania (americana e cambojana). As críticas são bem positivas, mas independentemente de prêmios, o importante é que um evento desse não pode ser esquecido, como o Holocausto na Segunda Guerra Mundial. E na maioria das vezes o que acontece fora do eixo Estados Unidos/Europa parece não ter tanta importância. É como se esse “lado de cá” tivesse mais relevância, mas somos todos apenas humanos, independentemente das diferenças geográficas e culturais.


Trailer do filme


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