Documentário sobre a cantora Nina Simone

Publicado em por Amandina Morbeck em Filmes/Livros/Vídeos, Gente
Nina Simone - documentário What happened, Miss Simone?

Banner de divulgação do documentário – Reprodução.

Assisti ao documentário What happened, Miss Simone? (2015) sobre a cantora americana Nina Simone, disponível no Netflix. Eu, que curto sua voz e suas músicas há tempos, adorei a forma como sua história foi contada. E para classificá-lo em poucas palavras, escolho cru, fabuloso, emocionante, triste, admirável, envolvente. 

Que vida conturbada e sofrida dessa mulher, dona de uma das vozes mais incríveis e uma exímia pianista, que tinha tudo para ter recebido, em vida, as glórias e o reconhecimento que só chegaram realmente anos após sua morte.

Também foi defensora dos direitos civis da comunidade negra nos Estados Unidos nos anos de 1960, vizinha de Malcolm X e família e conviveu com o reverendo Martin Luther King e outros expoentes na luta por igualdade naquela época. Algumas de suas músicas, como Mississippi goddamYoung, gifted and black, Four women e, após o assassinato do reverendo, Why (the king of love is dead) viraram hinos de resistência e de denúncia da opressão vivida pelos negros.

Com todas as cenas reais de noticiários em relação à luta racial, misturadas a suas apresentações e entrevistas, escritos em seu diário, cartas e fotografias, o documentário traz também entrevistas atuais com pessoas que conviveram com Nina, destacando Al Shackman, músico que tocou com ela; sua filha Lisa Simone (ela decidiu incluir o sobrenome artístico da mãe) Kelly; as filhas de Malcolm X, Atallah Shabazz e Ilyasah Shabazz; e seu ex-marido e empresário Andrew Stroud.

Nina Simone e seu fiel companheiro: um bom piano - Foto: Reprodução.

Nina Simone e seu fiel companheiro: um bom piano – Foto: Reprodução.

Como surgiu Nina Simone

Batizada como Eunice Kathleen Waymon, nasceu em Tryon, Carolina do Norte, Estados Unidos em 21 de fevereiro de 1933. Filha de pais metodistas, começou a tocar piano na igreja onde sua mãe era ministra e seu pai era pastor. Tinha apenas três anos de idade, mas seu talento já era evidente demais, pois conseguia tocar quase tudo apenas “de ouvido”. Uma inglesa chamada Muriel Mazzanovich (ou Miss Mazzy, como Nina a chamava), que havia mudado para Tryon com seu marido, ofereceu-se para ensinar Eunice. Durante quase dez anos ela mergulhou na música clássica e de sua paixão por Bach, Chopin, Brahms e Beethoven, entre outros, surgiu o sonho de se transformar na primeira pianista clássica negra dos Estados Unidos.

Para ajudá-la a alcançar seu sonho, a comunidade onde vivia arrecadou fundos para que estudasse na Juilliard em New York, antes de tentar sua aprovação no famoso Curtis Institute of Music na Filadélfia. Acreditando que seria admitida, considerando seu talento, sua família mudou-se com ela para a Filadélfia, mas tudo foi pelos ares quando o instituto negou sua admissão. O motivo, embora não informado oficialmente com a negativa, ficou implícito que foi por puro racismo, já que sua performance havia sido impecável. (E talvez para corrigir um erro do passado, em 2003, apenas dois dias antes da morte de Nina, o Curtis Institute concedeu-lhe o diploma honorário de graduação…)

Por não ter conseguido ver o investimento de uma vida concretizado, pois começou a estudar piano aos 3 anos de idade e recebeu o sonoro não do Curtis aos 19, por saber que seu sonho de ser a primeira pianista clássica negra americana a tocar no Carnegie Hall não tinha mais razão para existir e por precisar ganhar a vida para sustentar a si e a sua família, mudou de nome – para que ninguém de sua família nem sua professora de piano a reconhecesse – e foi aí que surgiu Nina Simone. Para conseguir alguns trocados, começou a tocar e a cantar em bares.

No vídeo abaixo, Nina canta a música Ain’t got no, I got life num show em Londres em 1968:

E foi partir daí que iniciou-se sua trajetória artística. Sua voz grave, inigualável, logo chamou a atenção e angariou fãs e apresentações. Sua formação clássica nunca foi abandonada e aparece nas composições, tendo o piano como companheiro inseparável. Navegou entre diferentes ritmos, enlouqueceu, foi dependente de drogas, viveu um casamento miserável, foi agredida pelo marido, sofreu depressão, foi viciada em sexo, foi uma mãe negligente e, só mais tarde, foi diagnosticada com bipolaridade. E aí ficou claro que as abruptas e constantes mudanças de humor não eram pitizinhos infantis.

Sucesso, direitos civis e as dificuldades de Nina Simone

Seu primeiro álbum lançado em 1958 foi um sucesso.Começou a ser conhecido e amada nos Estados Unidos e internacionalmente. E, finalmente, sua sonhada apresentação no Carnegie Hall aconteceu em 1963, ainda que não tenha sido como pianista clássica.

Mas Nina não conseguiu manter sua carreira com a mesma força com a que iniciou após entregar-se de corpo e alma ao movimento de direitos civis nos Estados Unidos. Começou a ser marginalizada pela grande mídia, já que várias de suas músicas traziam na letra denúncias sobre o que estava acontecendo entre brancos e negros e tentativas de melhorar a autoestima desse grupo marginalizado e perseguido principalmente no sul do país. Também partiu para uma pegada mais agressiva, instigando a violência dos negros para com os brancos, num clima de revanchismo. Tudo isso pegou muito mal e ela acabou deixando o país, arruinando seu já frágil relacionamento com a filha, encerrando o casamento que ainda existia oficialmente, vivendo de forma errática em alguns países, quase esquecida.

Longe dos holofotes e depois de lutar anos contra o câncer de mama, morreu na cidade francesa Carry-le-Rout cercada por poucos amigos.

Casa onde Nina Simone viveu em Tryon, North Carolina - Foto: Reprodução.

Casa onde Nina Simone viveu em Tryon, North Carolina – Foto: Reprodução.

O documentário tem muito mais

Esse breve resumo é uma gota no documentário com 1h40min de duração. Tem momentos que é como um soco no estômago, de uma emoção marcante. Como alguém tão incrível, que anos depois de sua morte tornou-se um fenômeno que inspirou tantos outros cantores e que rendeu tanto em direitos autorais para quem esteve envolvido em seu período produtivo, se foi deste planeta sentindo-se tão rejeitada?

Texto: Amandina Morbeck

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