Discurso de Sheryl Sandberg na Universidade da Califórnia em Berkeley

Publicado em por Amandina Morbeck em Filmes/Livros/Vídeos

Vídeo do discurso de Sheryl Sandberg na Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, proferido na formatura dos alunos no dia 14 de maio de 2016. Sheryl é diretora de operações (Chief Opperating Officer [COO]) do Facebook.

Se for difícil entender o discurso dela em inglês, logo abaixo do vídeo está a tradução que fiz.

Em maio de 2015, durante uma viagem de lazer ao México com seu esposo, Dave Goldberg, e alguns amigos, uma tragédia aconteceu: ele morreu enquanto treinava na esteira. Essa é a primeira vez em que Sheryl fala publicamente sobre sua perda e sobre seu sofrimento. Mas sua fala também é uma reflexão sobre a valorização de cada momento e sobre o reencontro do sentido de viver apesar do sofrimento. Uma lição de vida.

Tradução:

“Obrigada, Marie. E obrigada, estimados membros da faculdade, pais orgulhosos, amigos devotados, irmãos inquietos. Parabéns a todos vocês – mas especialmente à magnífica turma da graduação de 2016!

É um privilégio estar aqui em Berkeley, que tem produzido tantos vencedores do Prêmio Nobel e do Turing Award, astronautas, congressistas, medalhista de ouro em Olimpíadas – e isso apenas as mulheres!

Berkeley está sempre à frente de seu tempo. Nos anos de 1960, vocês lideraram o Movimento pela Liberdade de Expressão. Naquele tempo, as pessoas costumavam dizer que, com todos aqueles cabelos longos, como separar garotos de garotas? Agora sabemos a resposta: coques samurais.

Lá atrás, Berkeley abriu suas portas para toda a população. Quando este campus foi aberto, em 1873, havia 167 homens e 222 mulheres. Na minha universidade, foram mais 90 anos para concederem um único diploma a uma única mulher.

Uma das mulheres que vieram aqui em busca de oportunidade foi Rosalind Nuss. Roz cresceu limpando o chão da pensão onde morava no Brooklyn. Ela foi tirada do ensino médio pelos seus pais para ajudar a sustentar sua família. Um de seus professores insistiu para que seus pais a deixassem voltar para a escola – e em 1937 ela sentou onde vocês estão sentando hoje e recebeu um diploma da Berkeley. Roz era minha avó. Ela foi uma grande inspiração para mim. Nasci no dia do seu aniversário e sou grata por Berkeley ter reconhecido seu potencial.

Quero parabenizar de forma especial os muitos aqui hoje que fazem parte da primeira geração em sua família a terem um diploma universitário. Que conquista incrível!

Hoje é um dia de comemoração. Um dia para celebrar todo o trabalho árduo que os trouxe a este momento. Hoje é um dia de agradecimento. Um dia para agradecer aqueles que te ajudaram a chegar aqui – que te ensinaram, te nutriram, te alegraram e enxugaram suas lágrimas. Ou, pelo menos, aqueles que não pintaram você com um pincel quando você adormeceu numa festa.

Hoje é um dia de reflexão porque marca o fim de uma era da sua vida e o começo de algo novo.

Um discurso de formatura é para ser uma dança entre juventude e sabedoria. Vocês têm a juventude, alguém vem aqui para ser a voz da sabedoria – e teoricamente sou eu. Lhes conto todas as coisas que aprendi na vida, vocês jogam o capelo para o alto, deixam sua família tirar milhões de fotos – não se esqueçam de postá-las no Instagram – e todo mundo volta feliz para casa.

Hoje será um pouco diferente. Nós ainda jogaremos os capelos e vocês ainda terão de tirar fotos. Mas não estou aqui para contar sobre as coisas que aprendi na vida. Hoje, tentarei lhes contar o que aprendi na morte.

Nunca falei publicamente sobre isso antes. É difícil. Mas tentarei ao máximo não assoar meu nariz nesta linda beca da Berkeley.

Um ano e treze dias atrás, perdi meu marido, Dave. Sua morte foi repentina e inesperada. Estávamos na festa de 50 anos de um amigo no México. Fui cochilar e Dave foi treinar. O que se seguiu foi impensável – entrei na academia para encontrá-lo caído no piso. Voei para casa para contar para meus filhos que o pai deles havia partido. Assisti seu caixão sendo colocado na terra.

Por muitos meses depois, e muitas vezes desde então, fui engolida pela névoa profunda do luto – que eu penso como o vazio – um vazio que enche seu coração, seus pulmões, reduz sua habilidade de pensar ou mesmo de respirar.

A morte de Dave me mudou de maneiras muito profundas. Aprendi sobre as entranhas da tristeza e a brutalidade da perda. Mas também aprendi que quando a vida te puxa para o fundo do poço, você pode chutar o fundo, voltar à superfície e respirar de novo. Aprendi que diante do vazio – ou diante de qualquer desafio – você pode escolher alegria e significado.

Estou compartilhando isso com vocês na esperança de que hoje, com todo o momentum e a alegria, vocês possam aprender na vida as lições que eu só aprendi apenas na morte. Lições sobre esperança, força e a luz dentro de nós que não será apagada.

Todos que já passaram pela Cal já ficaram um pouco decepcionados. Você queria um A, mas conseguiu um B. Vamos ser honestos: você conseguiu um A-menos, mas continua chateado. Você se inscreveu para um estágio no Facebook, mas só conseguiu no Google. Ela era, claramente, o amor da sua vida, mas então te rejeitou. O seriado Game of Throne afastou-se demais dos livros – e você está bravo porque leu as 4.352 páginas.

É quase certo que você enfrentará adversidades maiores e mais profundas. Há perda de oportunidade – o trabalho que não dá certo, a doença ou o crime que muda tudo num instante. Há perda de dignidade – a ferroada cortante do preconceito quando ele acontece. Há perda do amor – os relacionamentos terminados que não podem ser consertados. E algumas vezes há a perda da própria vida.

Alguns de vocês já vivenciaram o tipo de tragédia e de sofrimento que deixa uma marca inesquecível. Ano passado, Radhika, a vencedora da Medalha Universitária, falou tão lindamente sobre a perda repentina de sua mãe.

A questão não é se algumas dessas coisas acontecerão com vocês. Elas irão. Hoje, quero falar sobre o que vocês fazem depois. Sobre as coisas que vocês podem fazer para superar a adversidade, não importa a forma que ela tome ou quando ela os atingirá. Os dias tranquilos à sua frente serão tranquilos. São os dias difíceis – os momentos que os desafiam na essência – que determinarão quem vocês são. Vocês serão definidos não só pelo que alcançam, mas como sobrevivem.

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Algumas semanas depois que Dave morreu, eu estava conversando com meu amigo Phil sobre uma atividade de pai e filho que ele não estava aqui para realizar. Planejamos uma forma de substitui-lo, mas eu chorei dizendo que “queria Dave”. Phil me abraçou e disse: “Plano A não está disponível. Assim, vamos simplesmente detonar com o plano B”.

Em algum momento, todos vivemos alguma forma de plano B. O ponto é: O que fazemos a seguir?

Como representante do Vale do Silício, fico feliz de lhes dizer que há dados para aprendizado. Depois de passar décadas estudando como as pessoas lidam com contrariedades, o psicólogo Martin Seligman descobriu que há “2Ps+O” [nota da tradutora: na língua inglesa são 3 Ps, mas na portuguesa não é possível manter dessa forma porque pervasiveness = onipresença]: personalização, onipresença e permanência, que são fundamentais à maneira com a qual reagimos ao sofrimento. As sementes da resiliência são plantadas na forma com que processamos os eventos negativos em nossa vida.

O primeiro P é para personalização – a crença de que a culpa é nossa. Isso é diferente de ter responsabilidade, o que devemos sempre fazer. Esse é o ensinamento de que nem tudo que nos acontece é por causa de nós.

Quando Dave morreu, tive uma reação comum, que foi o de me culpar. Ele morreu em segundos por causa de uma arritmia cardíaca. Me debrucei sobre seus registros médicos perguntando o que eu poderia – ou deveria – ter feito. Foi só quando aprendi sobre os três Ps que aceitei que eu não poderia ter evitado sua morte. Seus médicos não diagnosticaram a doença em sua artéria coronária. Estudei economia – como eu poderia?

Estudos mostram que superar a personalização pode nos deixar mais fortes. Professores que têm alunos que fracassam, que acreditam que podem melhorar, reveem seus métodos e suas futuras turmas se sobressaem. Nadadores universitários que não têm bom desempenho numa prova, mas acreditam que podem fazer melhor, fazem. Não levar as falhas para o lado pessoal nos permite recuperar – e até mesmo prosperar.

O “O” é para onipresença – a crença de que um evento afetará todas as áreas de sua vida. Vocês conhecem aquela música Everything is awesome (Tudo é incrível)? Esta é a contraparte: Tudo é horrível (Everything is awful). Não há lugar para fugir ou para esconder da tristeza que tudo consome.

O psicólogo infantil com quem conversei, me encorajou a colocar minhas crianças de volta à rotina delas o mais rápido possível. Assim, dez dias após a morte de Dave eles voltaram à escola e eu voltei ao trabalho. Me lembro de estar na minha primeira reunião no Facebook numa névoa total, pensando: “Sobre o quê estão todos falando e como isso poderia possivelmente importar?”. Então, mergulhei na discussão e por um segundo – uma breve fração de segundo -, esqueci sobre a morte.

Aquele segundo me ajudou a ver que existiam outras coisas em minha vida que não eram horríveis. Meu filhos e eu estávamos saudáveis. Meus amigos e minha família, alguns estão aqui comigo hoje, estavam nos carregando – bem literalmente.

A perda de um parceiro geralmente tem graves consequências financeiras negativas, especialmente para mulheres. Tantas mães solteiras – e pais – lutam para ganhar o suficiente e não conseguem tirar o tempo que precisam para cuidar de suas famílias. Eu tinha segurança financeira, possibilidade de me afastar pelo tempo que eu precisasse e um trabalho que eu não só amava, mas onde era incentivada a ficar o dia todo no Facebook.

Aos poucos, meus filhos começaram a dormir a noite toda, a chorar menos e a brincar mais.

O outro P é para permanência – a crença de que a tristeza durará para sempre. De longe, esse foi o mais difícil para mim porque por muito tempo era como se a dor esmagadora nunca iria embora.

Geralmente, projetamos o que sentimos para fora indefinidamente. Ficamos ansiosos – e daí ficamos ansiosos por estarmos ansiosos. Ficamos tristes – e daí ficamos tristes por estarmos tristes. Em vez disso, deveríamos aceitar nossos sentimentos, mas reconhecer que eles não durarão para sempre. Meu rabino me disse, e isso é uma citação, que eu deveria “curvar ao indesejável”. Não é o que eu quis dizer quando falei: “Lean In” [nome do livro escrito por Sheryl e publicado em 2013; veja sobre ele aqui].

Nenhum de vocês precisa que eu explique o quarto P, que é, claro, para pizza do Cheese Board.

Mas quiça eu tivesse sabido sobre os 2Ps+O quando eu tinha a sua idade, porque foram tantas as vezes que eles teriam me ajudado.

No primeiro dia do meu primeiro trabalho fora da faculdade, meu novo chefe descobriu que eu não sabia como incluir dados no Lotus 1-2-3. É uma planilha – pergunte depois aos seus pais. Ele ficou boquiaberto e disse na frente de todo mundo: “Não acredito que você conseguiu este trabalho sem saber isso” – e saiu da sala. Eu tinha certeza de que seria despedida na minha primeira semana de trabalho. Pensei que eu era horrível em tudo, mas no fim eu era horrível apenas com planilhas. Compreender onipresença teria economizado um monte de ansiedade naquela primeira semana.

Quiçá eu tivesse sabido sobre permanência quando terminei com namorados. Teria sido um conforto saber que aquele sentimento não duraria para sempre, e se eu estava sendo honesta comigo mesma, tampouco seria qualquer um daqueles relacionamentos.

E quiçá eu tivesse compreendido personalização quando os namorados terminaram comigo. Às vezes, não é você, mas realmente eles. Aquele cara realmente não tomava banho.

E os 2Ps+O se uniram contra mim quando eu tinha uns 20 anos e me divorciei. Na época, eu achava que independentemente do que fizesse, eu era um fracasso absoluto.

Os 2Ps+O são reações emocionais comuns a tantas coisas que acontecem conosco – em nossas carreiras, em nossas vidas pessoais e em nossos relacionamentos. Provavelmente, vocês estão sentindo um deles exatamente agora sobre alguma coisa em sua vida. Mas se você consegue reconhecer que está caindo nessas armadilhas, você pode corrigir. Da mesma forma que nossos corpos têm um sistema imunológico fisiológico, nossos cérebros têm um sistema imunológico psicológico – e há coisas que você pode fazer para ajudar no pontapé inicial.

Um dia, meu amigo Adam Grant, um psicólogo, sugeriu que eu pensasse sobre o quanto as coisas poderiam ter sido piores. Isso foi totalmente contraintuitivo para mim. Eu pensava que vivenciar alguma coisa como a morte tinha a ver com encontrar todo pensamento positivo que eu conseguisse. “Pior?”, eu disse a ele. “Você está louco? Como as coisas poderiam ser piores?”. Ele olhou para mim e disse: “Dave poderia ter sofrido aquela mesma arritmia cardíaca dirigindo com seus filhos”. No momento que ele disse isso, fui tomada por imensa gratidão por meus filhos estarem vivos. E essa gratidão suprimiu um pouco da dor.

Encontrar gratidão e apreciação é a chave para a resiliência. Pessoas que tiram um tempo para listar as coisas pelas quais são gratas são mais saudáveis e mais felizes. Minha resolução de ano-novo este ano é escrever três momentos de alegria antes de ir para a cama. Essa simples prática mudou minha vida. Porque não importa o que aconteça a cada dia, vou dormir pensando em algo alegre. Tente. Tente isso hoje à noite quando vocês têm tantas coisas para se alegrarem – embora talvez antes de ir pro Kip’s [bar em Berkeley] e não se lembrem o que são.

Mês passado, onze dias antes do aniversário da morte de Dave, desmoronei chorando com uma amiga minha. Estávamos sentadas – de todos os lugares – no chão de um banheiro. Eu disse: “Onze dias. Um ano atrás, ele tinha apenas onze dias para viver e não imaginávamos”. Então, em meio às lágrimas, nos perguntamos como viveríamos se soubéssemos que tínhamos onze dias para viver.

Enquanto se formam, vocês conseguem pedir a si mesmos para viver como se tivessem apenas onze dias restantes? Não quero dizer que tenham de abandonar tudo e farrear o tempo todo – embora hoje à noite seja uma exceção. Quero dizer, viver com a compreensão do quão precioso cada dia será. Porque isso é o quão precioso cada dia é na verdade.

Uns anos atrás, minha mãe precisou colocar prótese no quadril. Antes disso, ela caminhava sem dor. Mas à medida que seu quadril se desintegrou, cada passo tornou-se doloroso. Hoje, anos depois da cirurgia, ela está andando sem dor, mas é grata por esses passos – algo que nunca teria ocorrido a ela antes.

Estou aqui hoje, um ano depois do pior dia da minha vida, o pior dia que consigo imaginar e duas coisas são verdadeiras. Tenho um imenso reservatório de tristeza que está sempre comigo, bem aqui onde consigo tocá-lo. Nunca soube que podia chorar tão frequentemente ou desse tanto.

Mas pela primeira vez, sou grata por cada inspiração e expiração – grata pelo presente da vida em si. Eu tinha o hábito de comemorar meu aniversário a cada cinco anos e, algumas vezes, os aniversários de amigos. Agora, sempre comemoro. Eu costumava ir dormir, todas as noites, preocupada com as coisas que eu havia feito de errado aquele dia – e acreditem, a lista geralmente era longa. Agora, tento realmente focar nos momentos de alegria daquele dia.

É a maior ironia da minha vida que, ter perdido meu marido, me ajudou a encontrar uma gratidão mais profunda – gratidão pela bondade dos meus amigos, pelo amor da minha família e pelas risadas dos meus filhos. A vocês, desejo que encontrem essa gratidão não apenas nos dias fáceis, como hoje, mas nos difíceis quando precisarão dela.

Há tantos momentos de alegria no futuro de vocês. Aquela viagem que sempre quiseram fazer. O primeiro beijo em alguém de quem vocês realmente gostam. Conseguir um trabalho no qual acreditam. Derrotar Standford (Go Bears!). Todas essas coisas acontecerão para vocês. Aproveitem cada uma delas.

Espero que vocês vivam a vida – cada precioso dia dela – com alegria e com significado. Espero que vocês caminhem sem dor – e que sejam gratos por cada passo.

E quando os desafios vierem, espero que se lembrem que, bem dentro de vocês, está a habilidade de aprender e de crescer. Vocês não nascem com uma quantidade fixa de resiliência. É como um músculo, podem desenvolvê-la e se recolherem nela quando precisarem. Nesse processo, perceberão quem são realmente – e poderão simplesmente tornar-se a melhor versão de si mesmos.

Turma de 2016, ao deixarem Berkeley, desenvolvam resiliência. Desenvolvam resiliência em si mesmos. Quando a tragédia ou a decepção surgir, saibam que têm dentro de si a habilidade de superar absolutamente qualquer coisa. Juro que têm. Como dizem, somos mais vulneráveis do que jamais pensamos, mas somos mais fortes do que jamais imaginamos.

Construam organizações resilientes. Se qualquer um pode fazer, vocês podem, porque Berkeley é cheia de pessoas que querem tornar o mundo um lugar melhor. Nunca parem de trabalhar para isso – seja um conselho não representantivo ou um campus inseguro. Manifestem-se, especialmente em instituições como esta, que vocês tanto gostam. Meu cartaz favorito no trabalho diz o seguinte: “Nada no Facebook é problema de outra pessoa”. Quando você vê algo quebrado, e vocês verão coisas quebradas, vá e as conserte.

Construam comunidades resilientes. Encontramos nossa humanidade – nossa vontade de viver e nossa habilidade para amar – nas relacionamentos uns com os outros. Estejam lá para sua família e para seus amigos – e quero dizer pessoalmente, não apenas numa mensagem com um emoticon de coração.

Dêem força uns aos outros, ajudem outros a detonarem o plano B e celebrem cada momento de alegria.

Go Bears!”

Traduzido por Amandina Morbeck
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